Hoje,
no mundo, não há país que em seus estatutos oficiais não garantam
o direito á educação escolar para sua população, todavia, a
realização desse direito entra em choque com as condições sociais
de funcionamento das sociedades, e muitos governos se declaram
incapazes de expandir a oferta de escolas, e
por isso a lei não é reconhecida como mecanismo de realização dos
direitos sociais, mas se torna importante por possuir uma dimensão
de luta.
A
instrução se torna dever público e
oferecido gratuitamente com a função de potencializar a razão
individual, afim que o indivíduo pudesse se autogovernar e
participar da sociedade como pessoa livre.
“Ao oferecer a educação escolar
primária gratuita, o próprio estado liberal assegura uma condição
universal para o próprio usufruto dos direitos civis.”
(p 249).
Dessa
forma, a educação primária gratuita seria vista como forma de
diminuir as desigualdades sociais, levando a população lentamente
para um mesmo ponto de partida. Também
é identificada como objeto de coerção estatal, já que o ignorante
não tem capacidade de escolher livremente
A
educação das crianças está diretamente relacionada com a
cidadania, e, quando o Estado garante que todas as crianças serão
educadas, este tem em mente, sem sombra de dúvida, as exigências e
a natureza da cidadania. (...) Basicamente, deveria ser considerado
não como o direito da criança frequentar a escola, mas como o
direito do cidadão adulto ter sido educado (Thomas Marshall, 1967,
p73 cit em p 249/250)
Seguindo
esse raciocínio, tornou-se legítimo a obrigatoriedade de se
frequentar a escola, justificando que a diminuição dessa liberdade
colocaria todos os indivíduos em um mesmo nível, e
para estimular a população á buscar essa educação, muitos países
fizeram dela condição para o exercício dos direitos políticos,
entre eles o voto. Para Marshall “o
desenvolvimento da educação primária pública durante o séc XIX
constitui o primeiro passo decisivo em prol do restabelecimento dos
direitos sociais da cidadania no sec XX”
(p 74 cit em p 252).
A
educação passa a ser também bandeira de luta de vários partidos e
grupos radicais da classe trabalhadora nos séculos XIX e XX, que
lutavam não só pela escola primária gratuita e obrigatória, mas
também sua extensão a níveis mais elevados.
"
Assim, seja por razões políticas, seja por razões ligadas
ao indivíduo, a educação era vista como um canal de acesso aos
bens sociais e á luta política e, como tal, um caminho também de
emancipação do indivíduo diante da ignorância. Dado este leque de
campos atingidos pela educação, ela foi considerada, segundo o
ponto de vista dos diferentes grupos sociais- ora como síntese dos
três direitos assinalados- os civis, os políticos e os sociais ora
como fazendo parte de cada qual dos três." (p 254).
AS
lutas por uma escola obrigatória, gratuita, laica e por governos
civis dependentes do contrato social foram cruciais para que a escola
pública para todos se constituísse em apoio da construção da
nacionalidade e do acesso ao sistema eleitoral.
Hoje,
a discussão do direito á educação escolar trata-se do direito á
diferença, discutindo questões de gênero, credo, etnia, entre
outras. Aqui se encontram dois pontos: é preciso defender a
igualdade ( princípio da não discriminação) como princípio da
cidadania, da modernidade e do republicanismo. Mas
a luta por redução das desigualdades não é fácil, pois a
heterogeneidade é perceptível, o que não ocorre com a igualdade.
O
empírico ou pensamento único é necessário para uma
realidade do gênero humano, que estabelece uma igualdade básica,
necessária para que haja respeito pelo humano, base de todas as
teses de democracia e cidadania.
A
defesa da diferença não tem sucesso se
não considera a igualdade, pois essa se trata do homem como pessoa
humana, onde o princípio de igualdade se aplica sem discriminação
ou distinção. Todavia se trata também de um homem concreto, e sua
situação deve ser considerada ao aplicar a norma universal.
“Um
tratamento diferenciado só se justifica perante uma situação
objetiva e racional e cuja aplicação considere o contexto mais
amplo.” ( p 256) Assim, os estados democráticos deixam claro as
discriminações proibidas: origem, raça, sexo, religião, cor, etc,
ao mesmo tempo que se considera inviável pensar em uma igualdade
absoluta.
Para
os países colonizados, a educação não se estabeleceu dessa forma,
por não contarem com a industrialização desde cedo e a
constituição de uma classe operária forte e organizada. Para as
classes dirigentes a educação não se tornou uma necessidade
socialmente significativa, e não houve um outro ator social que
cobrasse responsabilidades sociais, sendo que as classes dirigentes
se dedicaram mais a seus interesses exclusivos. A situação se
complica ainda mais em países que houve escravidão, onde o outro
era visto como inferior, e a elite que se considerava superior pouco
fez por uma educação gratuita para todos. A leitura e
interpretação de livros eram reservadas á pessoas autorizadas pela
igreja católica, e por isso maior relevância da transmissão oral,
po meio das catequeses. Tal fato dificulta a luta pelo direito á
educação, e esses países encontrarão grandes dificuldades para
inscrever esse direito em suas leis, e mesmo quando este for
garantido nas mesmas, ainda haverá um grande caminho até seu
efetivo funcionamento.
Isso
explica o enorme número de pessoas que sequer possui educação
primária, sendo ainda grande o número de pessoas que possui poucos
anos de escolaridade. A pirâmide educacional acompanha muito de
perto a pirâmide da distribuição da renda e da riqueza." (p
258)
No
Brasil, em 1967 o ensino fundamental passa de quatro para oito anos
obrigatórios, e em 1988 é reconhecido como direito público
subjetivo, o que garante que qualquer cidadão que não tenha tido
acesso á educação possa reclamar na justiça seu direito, a
qualquer idade.
“O
acesso à educação é também um meio de abertura que dá ao
indivíduo uma chave de autoconstrução e de se reconhecer como
capaz de opções. O direito à educação, nesta medida, é uma
oportunidade de crescimento cidadão, um caminho de opções
diferenciadas e uma chave de crescente estima de si.”
(p 260)
“O
direito à educação decorre de dimensões estruturais coexistentes
na própria consistência do ser humano.” (p 261)
A
racionalidade é condição do reconhecimento de sim, do outro e da
sociedade, e o desenvolvimento da pessoa depende do efetivo
desenvolvimento da capacidade cognitiva, daí a necessidade da
educação para todos.
“Ao
mesmo tempo a relação que se estabelece entre professor e aluno é
de tal natureza que os conteúdos e os valores, ao serem apropriados,
não se privatizam. Quanto mais processos se dão, mais se
multiplicam, mais se expandem e se socializam. A educação, com
isto, sinaliza a possibilidade de uma sociedade mais igual e humana.”
( p 262)
Referência:
CURY, Carlos Roberto Jamil.Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cad. Pesqui. [online]. 2002, n.116, pp.245-262. ISSN 0100-1574. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742002000200010.
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