segunda-feira, 4 de julho de 2016

REFLETINDO SOBRE AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DO ENS FUNDAMENTAL

" Diretrizes Curriculares Nacionais são o conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos na Educação Básica, expressas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino, na organização, na articulação, no desenvolvimento e na avaliação de suas propostas pedagógicas." ( Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, 1998, p4)

O direito á educação defendido pelo documento das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ens Fundamental pressupõe os conceitos de igualdade, liberdade, convivência entre instituições e reconhecimento do pluralismo de idéias e concepções pedagógicas. Afirma ainda que esse direito é subjetivo, sendo dever do Estado a oferta e obrigatória a todos, não sendo possível renunciar desse direito.

A importância da educação é defendida por envolver a pessoa em suas relações individuais, sociais e civis.

As Diretrizes também marcam pontos obrigatórios nos currículos escolares que garantem o trabalho com a diferença, visando minimizar preconceitos entre sexo, raça, religião, etnia, etc, e também busca o reconhecimento das identidades envolvidas no processo de ensino-aprendizagem, afirmando que o currículo deve considerar o conhecimento prévio do aluno, sendo que o conhecimento é construído com o diálogo entre esses diferentes saberes presentes nos sujeitos. Também determina que as escolas devem criar propostas que voltem para as relações com a comunidade local, regional e mundial, interagindo a educação fundamental com a vida cidadã, garantindo que com o diálogo entre a base comum e a cultura local o aluno constituirá sua identidade como cidadão, capaz de ser protagonista de suas ações.


Considera-se ainda os objetivos de ensino o desenvolvimento do aluno e de sua capacidade de aprender, visando a formação básica do cidadão, sendo por isso necessário a base nacional comum para garantir uma formação indispensável para o exercício da cidadania.

JAMIL CURY: DIREITO Á EDUCAÇÃO: DIREITO Á IGUALDADE, DIREITO Á DIFERENÇA

Hoje, no mundo, não há país que em seus estatutos oficiais não garantam o direito á educação escolar para sua população, todavia, a realização desse direito entra em choque com as condições sociais de funcionamento das sociedades, e muitos governos se declaram incapazes de expandir a oferta de escolas, e por isso a lei não é reconhecida como mecanismo de realização dos direitos sociais, mas se torna importante por possuir uma dimensão de luta.

A instrução se torna dever público e oferecido gratuitamente com a função de potencializar a razão individual, afim que o indivíduo pudesse se autogovernar e participar da sociedade como pessoa livre. “Ao oferecer a educação escolar primária gratuita, o próprio estado liberal assegura uma condição universal para o próprio usufruto dos direitos civis.” (p 249).

Dessa forma, a educação primária gratuita seria vista como forma de diminuir as desigualdades sociais, levando a população lentamente para um mesmo ponto de partida. Também é identificada como objeto de coerção estatal, já que o ignorante não tem capacidade de escolher livremente

A educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e, quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, este tem em mente, sem sombra de dúvida, as exigências e a natureza da cidadania. (...) Basicamente, deveria ser considerado não como o direito da criança frequentar a escola, mas como o direito do cidadão adulto ter sido educado (Thomas Marshall, 1967, p73 cit em p 249/250)

Seguindo esse raciocínio, tornou-se legítimo a obrigatoriedade de se frequentar a escola, justificando que a diminuição dessa liberdade colocaria todos os indivíduos em um mesmo nível, e para estimular a população á buscar essa educação, muitos países fizeram dela condição para o exercício dos direitos políticos, entre eles o voto. Para Marshall “o desenvolvimento da educação primária pública durante o séc XIX constitui o primeiro passo decisivo em prol do restabelecimento dos direitos sociais da cidadania no sec XX” (p 74 cit em p 252).


A educação passa a ser também bandeira de luta de vários partidos e grupos radicais da classe trabalhadora nos séculos XIX e XX, que lutavam não só pela escola primária gratuita e obrigatória, mas também sua extensão a níveis mais elevados.

" Assim, seja por razões políticas, seja por razões ligadas ao indivíduo, a educação era vista como um canal de acesso aos bens sociais e á luta política e, como tal, um caminho também de emancipação do indivíduo diante da ignorância. Dado este leque de campos atingidos pela educação, ela foi considerada, segundo o ponto de vista dos diferentes grupos sociais- ora como síntese dos três direitos assinalados- os civis, os políticos e os sociais ora como fazendo parte de cada qual dos três." (p 254).

AS lutas por uma escola obrigatória, gratuita, laica e por governos civis dependentes do contrato social foram cruciais para que a escola pública para todos se constituísse em apoio da construção da nacionalidade e do acesso ao sistema eleitoral.

Hoje, a discussão do direito á educação escolar trata-se do direito á diferença, discutindo questões de gênero, credo, etnia, entre outras. Aqui se encontram dois pontos: é preciso defender a igualdade ( princípio da não discriminação) como princípio da cidadania, da modernidade e do republicanismo. Mas a luta por redução das desigualdades não é fácil, pois a heterogeneidade é perceptível, o que não ocorre com a igualdade.

O empírico ou pensamento único é necessário para uma realidade do gênero humano, que estabelece uma igualdade básica, necessária para que haja respeito pelo humano, base de todas as teses de democracia e cidadania.
A defesa da diferença não tem sucesso se não considera a igualdade, pois essa se trata do homem como pessoa humana, onde o princípio de igualdade se aplica sem discriminação ou distinção. Todavia se trata também de um homem concreto, e sua situação deve ser considerada ao aplicar a norma universal.

Um tratamento diferenciado só se justifica perante uma situação objetiva e racional e cuja aplicação considere o contexto mais amplo.” ( p 256) Assim, os estados democráticos deixam claro as discriminações proibidas: origem, raça, sexo, religião, cor, etc, ao mesmo tempo que se considera inviável pensar em uma igualdade absoluta.

Para os países colonizados, a educação não se estabeleceu dessa forma, por não contarem com a industrialização desde cedo e a constituição de uma classe operária forte e organizada. Para as classes dirigentes a educação não se tornou uma necessidade socialmente significativa, e não houve um outro ator social que cobrasse responsabilidades sociais, sendo que as classes dirigentes se dedicaram mais a seus interesses exclusivos. A situação se complica ainda mais em países que houve escravidão, onde o outro era visto como inferior, e a elite que se considerava superior pouco fez por uma educação gratuita para todos. A leitura e interpretação de livros eram reservadas á pessoas autorizadas pela igreja católica, e por isso maior relevância da transmissão oral, po meio das catequeses. Tal fato dificulta a luta pelo direito á educação, e esses países encontrarão grandes dificuldades para inscrever esse direito em suas leis, e mesmo quando este for garantido nas mesmas, ainda haverá um grande caminho até seu efetivo funcionamento.

Isso explica o enorme número de pessoas que sequer possui educação primária, sendo ainda grande o número de pessoas que possui poucos anos de escolaridade. A pirâmide educacional acompanha muito de perto a pirâmide da distribuição da renda e da riqueza." (p 258)

No Brasil, em 1967 o ensino fundamental passa de quatro para oito anos obrigatórios, e em 1988 é reconhecido como direito público subjetivo, o que garante que qualquer cidadão que não tenha tido acesso á educação possa reclamar na justiça seu direito, a qualquer idade.

O acesso à educação é também um meio de abertura que dá ao indivíduo uma chave de autoconstrução e de se reconhecer como capaz de opções. O direito à educação, nesta medida, é uma oportunidade de crescimento cidadão, um caminho de opções diferenciadas e uma chave de crescente estima de si.” (p 260)

O direito à educação decorre de dimensões estruturais coexistentes na própria consistência do ser humano.” (p 261)

A racionalidade é condição do reconhecimento de sim, do outro e da sociedade, e o desenvolvimento da pessoa depende do efetivo desenvolvimento da capacidade cognitiva, daí a necessidade da educação para todos.

Ao mesmo tempo a relação que se estabelece entre professor e aluno é de tal natureza que os conteúdos e os valores, ao serem apropriados, não se privatizam. Quanto mais processos se dão, mais se multiplicam, mais se expandem e se socializam. A educação, com isto, sinaliza a possibilidade de uma sociedade mais igual e humana.” ( p 262)


Referência:
CURY, Carlos Roberto Jamil.Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cad. Pesqui. [online]. 2002, n.116, pp.245-262. ISSN 0100-1574.  http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742002000200010. 

ESCOLA SEM PARTIDO OU EDUCAÇÃO SEM LIBERDADE?


No ano de 2014, o deputado estadual do Rio de Janeiro Flávio Bolsonaro entrou em contato com o advogado Miguel Nagib, criador do movimento “Escola sem Partido”, com um pedido: desenvolver um projeto de lei que colocasse em prática as propostas de seu movimento. Nagib atendeu prontamente ao pedido, e Flávio Bolsonaro apresentou à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) o Projeto de Lei (PL) 2974/2014, que propõe a criação do programa “Escola sem Partido”, no âmbito do sistema de ensino do Estado. No mesmo ano, o vereador Carlos Bolsonaro, irmão de Flávio, apresentou à Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro um projeto quase idêntico, o PL 867/2014. Miguel Nagib disponibilizou, no site do programa, dois anteprojetos de lei, um estadual e outro municipal, bastando a deputados e vereadores de qualquer lugar do Brasil acessar o site, copiar a proposta e apresentá-la como sua nas câmaras municipais e estaduais. Atualmente, projetos de lei que tentam estabelecer o “Escola sem Partido” tramitam nacionalmente em sete estados e no Distrito Federal, além de em inúmeros municípios, já tendo sido aprovados em alguns deles, com este ou outros nomes. Mas qual é, afinal, a proposta deste movimento?
O próprio nome “Escola sem Partido” é bastante enganador, pois apresenta uma falsa dicotomia entre escolas “com” e “sem” partido. Para os incautos, pode até parecer uma boa opção: “não queremos influências partidárias nas escolas”. Mas não é isso que está em jogo. Esse movimento parte da premissa de que professores e professoras não devem ser educadores,  devendo limitar-se a transmitir a matéria, sem tratar de assuntos atuais ou discutir valores. Qualquer coisa que ultrapassasse a transmissão de conhecimento seria considerada “doutrinação ideológica” e, por isso, passível de “estar em conflito com as convicções morais dos estudantes e de seus pais” (Art. 2º do PL nº 867/2014). A educação seria responsabilidade da família, que não poderia ser contraditada nos seus valores morais, religiosos e sexuais. A professora, o professor e a escola teriam de ser “neutros”. Mas quem decidiria o que seria “neutro” e o que seria “ideológico”? Ou melhor, como ignorar que todo conhecimento parte de algum viés, e que docentes e discentes o produzem sempre dentro de um contexto?
Sabemos que as palavras não são neutras e que, ao constarem em um projeto de lei, trazem consigo a intenção de que seus interlocutores façam uma determinada interpretação, embora isso não possa ser garantido. “Democracia”, “qualidade” e “igualdade” são exemplos de palavras que figuram “vazias” nos textos e documentos políticos, são “vazias” para que possam permitir o maior número possível de significações e, com isso, angariar mais adesão.
O PL nº 867/2014 do “Escola sem Partido” contém 13 vezes a palavra “liberdade”. O uso do termo, entretanto, é contraditório. De um lado, aparece com ênfase ao supostamente defender a liberdade de aprender de estudantes, mas, de outro, parece inexistir para professoras e professores, cerceados em sua liberdade de ensinar. A “liberdade de consciência” explicitada pelo documento é atribuída apenas a estudantes e suas famílias, enquanto professoras e professores são advertidos para que não incorram no “abuso da liberdade de ensinar em prejuízo da liberdade de consciência do educando e do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções” (Art. 6º do PL nº 867/2014). Vemos, então, como o termo é utilizado de modo unilateral, pois, ao esgarçar a liberdade dos que aprendem, comprime a liberdade dos que ensinam, resultando em uma fórmula que parece questionável se entendemos que, para que se dê de modo efetivo, a educação precisa estar para além da repressão, seja de qual parte for.
A referência à “liberdade de consciência”, vale lembrar, não é nova no debate sobre a educação. O tema esteve presente no Brasil em outros tempos. Nos anos 1930 e 1950, tivemos grupos em embate pela educação: de um lado, os defensores da escola pública, laica e obrigatória (precisamos lembrar aqui, por exemplo, Anísio Teixeira) e, de outro, setores da Igreja Católica. Para defenderem a presença da disciplina Ensino Religioso nas escolas públicas e até mesmo a subvenção das escolas católicas e privadas pelo poder público, os católicos mobilizaram um discurso que falava em nome da “família brasileira”. Tratava-se, contudo, de uma ideia de família pautada em valores católicos. Aos católicos juntaram-se os empresários da educação. Ao fazerem a defesa da “liberdade das famílias” e da “liberdade de ensino”, sinalizavam a adesão a um modelo de sociedade bem distinta da democrática, que reforçava hierarquias rígidas e na qual marcas conservadoras e autoritárias se mostravam progressivamente visíveis. Tal concepção de sociedade, também encenada nos anos 1960 nas “Marchas da família com Deus pela liberdade”, parece estar nos assombrando novamente, mais de cinco décadas depois. Substituem-se os grupos religiosos de pressão – hoje a bancada evangélica apresenta-se com força nas casas legislativas –, mas as estratégias continuam semelhantes, assim como a questão de fundo: a recusa do Estado laico e a defesa de um conjunto de ideias pautado em valores religiosos.
Atualmente, o viés conservador dos projetos de lei relacionados ao “Escola sem Partido” tem como carro chefe o debate sobre gênero e sexualidade nas escolas, que tem sido tratado pelos partidários do movimento como o grande inimigo a ser combatido pelas famílias e “cidadãos de bem”. Na prática, pretende-se inviabilizar e mesmo criminalizar todas as iniciativas educativas propostas por professoras e professores que abordem temas como desigualdades de gênero, diversidade sexual (na escola e na sociedade), o combate ao preconceito, ao sexismo e à homo e transfobia. Além disso, materiais didáticos e paradidáticos com abordagem crítica e reflexiva sobre esses temas são alvo de ataques pelos partidários do movimento. Seus defensores vêm afirmando que esse tipo de material e discussão “doutrinam” estudantes, forçando-os a aceitar a “ideologia de gênero”.
A própria expressão “ideologia de gênero” vem ganhando força nacional e internacionalmente para identificar, de maneira tendenciosa e conservadora, pesquisas, práticas e debates que problematizem as relações de poder hierárquicas ou de opressão entre os gêneros, a heteronormatividade compulsória dos espaços escolares e a homo e transfobia presente em nossa sociedade. Como vem sendo pautado pelos partidários do “Escola sem Partido”, o combate à “ideologia de gênero” apaga as demandas das e dos educadores que conhecem o cotidiano das escolas, suas necessidades e seus problemas, e que se veem diariamente desafiados por questões de gênero e sexualidade que eclodem em suas salas de aula, corredores e pátios. Supor que essas temáticas são “levadas” para a escola por materiais didáticos ou atividades pontuais é demonstrar total desconhecimento do contexto escolar e de seus conflitos, que existem justamente porque a escola – especialmente a escola pública brasileira – é plural e diversa.
Outro ponto destacado de forma reiterada no site do “Escola sem Partido” diz respeito à marca “de esquerda” que estaria presente no professorado brasileiro, de forma majoritária. Quando refletimos sobre o sentido dado pelo movimento a esse viés “de esquerda”, verificamos que ele é identificado de modo direto com “doutrinação” e “cooptação de mentes”, como se estudantes fossem elementos passivos, sem nenhum protagonismo na vida escolar e em suas vidas para além da escola. Percebe-se que o que está sendo entendido como “de esquerda” remete, na verdade, a uma tradição democrática da educação brasileira, que, em lugar de ser demonizada, deve ser valorizada. Paulo Freire (apresentado pelos partidários do “Escola sem Partido” como referência nociva a ser “varrida” das escolas), Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira foram alguns dos que se comprometeram com a defesa incansável da escola pública e com práticas que valorizam as e os educandos como sujeitos ativos em seu processo formativo. Essa tradição democrática, reforçada no processo de redemocratização do país na década de 1980, de crítica à ditadura civil-militar e a seus impactos na cena educacional, vem estimulando, não a doutrinação, como tentam fazer crer indivíduos totalmente distanciados do “chão da escola”, mas uma educação pautada pela autonomia, liberdade e pelo pensamento crítico do educando.
Um terceiro alvo dos entusiastas do “Escola sem Partido” é o livro didático, tomado como uma referência prescritiva da ação docente. O tom adotado é de denúncia e alarmismo, pois nos livros estaria consubstanciada a “doutrinação”, o que desconsidera todas as mediações realizadas no uso e consumo dos materiais. Para efeitos de prova, os partidários do movimento apresentam textos e atividades descontextualizados, alguns retirados, inclusive, de livros didáticos reprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), criado em 1985 pelo Ministério da Educação e que é atualmente considerado referência mundial em políticas públicas de educação, tanto pela magnitude e abrangência, como pelo aperfeiçoamento constante ao longo das últimas décadas. Em 1996, o PNLD iniciou a avaliação qualitativa das obras, tendo como premissa a defesa da pluralidade de concepções de ensino e aprendizagem, bem como de referenciais teóricos para cada disciplina. É interessante observar que um dos critérios para exclusão de um livro de História, por exemplo, é justamente a doutrinação, pois ela eliminaria um pressuposto caro à ciência histórica, qual seja, a multiperspectividade e o desenvolvimento do pensamento crítico. No Guia do Livro Didático da área de História de 2015, o critério de avaliação estipula a “isenção de doutrinação religiosa e/ou política, que desrespeite o caráter laico e autônomo do ensino público, bem como de utilização do material escolar como veículo de difusão de marcas, produtos ou serviços comerciais”. Este critério denota a preocupação com a pluralidade de ideias na escola pública, em políticas implementadas e aprimoradas há décadas por educadores e educadoras, gestores e gestoras, pesquisadores e pesquisadoras.
No cenário educacional do nosso país, a proposição de projetos destinados às escolas sem a participação dos atores nela implicados – professoras e professores, estudantes, funcionárias e funcionários, e a comunidade de um modo geral – não é nova. Subjaz a essa lógica a ideia da professora e do professor como meros executores, consumidores passivos de políticas pensadas fora dos muros das escolas, de estudantes como receptores igualmente passivos e, ainda, de uma educação mecanicista, prescritiva, apartada dos acontecimentos da vida e esvaziada das questões culturais, políticas, sociais e econômicas que a atravessam. Sabemos, contudo, que a educação não é uma prática descontextualizada: ela não se faz na neutralidade. É fundamental valorizarmos a professora e o professor como educadores, no sentido mais amplo que essa palavra indica, e defender a participação democrática de todas as pessoas que vivem o cotidiano escolar, uma vez que é impossível pensar qualquer projeto que se dirija à escola à revelia de quem ali está. Precisamos, mais do que nunca, de uma escola que esteja aberta à vida e a tudo que nela está implicado – a diversidade, a diferença e o conflito advindo desse encontro.
Texto In: https://degenerauerj.wordpress.com/ retirado em 04/07/2016

terça-feira, 14 de junho de 2016

EDUCAÇÃO INFANTIL NO PNE: DIFICULDADES DE CONCEPÇÃO, ORGANIZAÇÃO E FINANCIAMENTO


Rita Coelho, coordenadora geral de educação infantil da Secretaria de Educação Básica do MEC, comenta sobre falta de clareza dos sistemas de ensino com as orientações de seu trabalho e fala ainda sobre as dificuldades da educação infantil no campo



A ampliação do acesso à pré-escola e à creche, definido na meta 1 do Plano Nacional de Educação (PNE) é um grande desafio que o país vai enfrentar nos próximos anos. A dificuldade não está apenas no financiamento, mas também na ausência de clareza dos sistemas de ensino sobre qual a concepção e a forma de organização que orientarão seu trabalho, sobretudo para os primeiros anos dessa etapa. É o que defende a coordenadora geral de educação infantil da Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC, Rita de Cássia de Freitas Coelho. Na entrevista a seguir, concedida à editora Marina Almeida durante a II Conferência Nacional de Educação (Conae), ela fala ainda sobre as dificuldades de oferecer educação infantil no campo, da falta de regulamentação do transporte coletivo para crianças pequenas e da avaliação da etapa. Rita aborda ainda a importância de existir um professor graduado para os alunos pequenos e a necessidade de regulamentar o profissional conhecido como auxiliar ou cuidador que também atua nesta etapa.
A meta 1 do PNE é atender, no mínimo, 50% das crianças de 0 a 3 anos. Os gestores têm apontado esse como um dos grandes desafios para os municípios. O problema é apenas de recursos?

A meta de 50% de atendimento da população de 0 a 3 anos é um objetivo do PNE anterior. Ela é uma meta que já estava posta há 12 anos e não foi cumprida. Considero que ela seja alta para o país, mas agora é lei e temos de nos empenhar ao máximo para atingi-la. Eu sintetizaria em três grandes dificuldades: uma delas é de concepção. O sistema educacional nunca trabalhou com bebês. Ele não tem práticas, não tem materiais, não tem rubricas, não tem materiais de despesa para desenvolver um trabalho com esse sujeito que é tão diferente. Há essa diversidade etária, em que o mais diferente é o bebê, mais diferente que o deficiente, indígena, que o negro, o quilombola. Segundo: há uma dificuldade objetiva de organização. No diálogo que temos com prefeitos e secretários de Educação, eles têm medo, até, de atender bebê. Eles não têm aqueles protocolos que a Saúde tem. Como organizar um lactário, como trocar fralda em um ambiente coletivo, institucional. O meu exemplo de trocar as fraldas dos meus filhos, dos meus netos não vale de nada, pois uma coisa é trocar a fralda de um bebê, outra é de oito, dez. Há essa dificuldade de organização do espaço, da proposta de atendimento, da formação do professor, da relação com a família... A família tem características muito próprias de organização nessa faixa etária: culpa, medo, cumplicidade. É tudo muito desafiador para o sistema. E tudo isso recai no financiamento, que não é uma dificuldade exclusiva da educação infantil, mas é muito forte ali. A primeira vez que se redefiniu o valor do repasse do Fundeb, ele era muito inferior. Mesmo que ele venha aumentando, ainda é muito diferente do custo do atendimento desse bebê. O financiamento é necessário, mas não é suficiente. Há municípios que têm recursos, mas não atendem como deveriam.
Em sua fala na mesa de educação infantil, a senhora disse que há creches do Pró-infância que ficam fechadas por um ano. É uma dificuldade de organização da escola?

Isso acontece por vários motivos. Primeiro, por dificuldade de organização. Às vezes é um município que nunca atendeu crianças de 0 a 3 anos e não tem quadro de pessoal, por exemplo. Às vezes a obra não atendeu às exigências do projeto original e não foi aprovada pelo FNDE, então é preciso fazer algum ajuste. Algumas dessas obras fechadas têm relação com questões políticas, trocas de gestão municipal...
E com relação à pré-escola, até 2016 o país deve universalizar o acesso. Como tem sido essa evolução?

Essa é uma questão mais tranquila e o próprio investimento do município é maior nessa área. O problema é que, onde não estamos atendendo, não é por dificuldades da educação infantil, mas da estrutura desigual do país. Quem é que não está na pré-escola? É a criança do campo, é o ribeirinho, é a criança de uma família muito pobre, que às vezes não tem conhecimento do direito. São famílias das periferias dos grandes centros, onde não conseguimos construir por falta de terreno. Embora ele seja menor não quer dizer que seja mais simples.
Para priorizar as vagas na pré-escola, há redes reduzindo as de creches?

Acontece, mas isso não tem um impacto nacional na frequência da educação infantil. No censo escolar é possível ver que o atendimento em creches vem aumentando sistematicamente, com bons percentuais. Não há um retrocesso. O que ocorre é que, infelizmente, alguns gestores não compreendem que a obrigação do gestor é idêntica em relação à creche e à pré-escola, e o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre isso. Há essa interpretação equivocada, e conveniente, de que a matrícula obrigatória torna a pré-escola prioritária. Prioritário é o atendimento no que o município é mais deficitário. Hoje o que os estudos mostram é que o maior desafio é o atendimento de 0 a 3 anos.
E quanto à qualidade dessa educação ofertada? Corremos o risco de expandir sem qualidade?

Na educação infantil, esse é o grande desafio. Para as dificuldades de acesso, nós já encontramos um caminho. Será preciso tempo e recursos, mas sabemos que a saída está na mudança da estrutura do país, com a efetivação do regime de colaboração e o aumento dos recursos para a educação. E já há uma proposta do governo federal em andamento, que é o Próinfância. Já na qualidade, os desafios ainda são muito grandes, mesmo porque ainda não temos muitos consensos do que seria essa qualidade. Além disso, há aspectos da qualidade que serão sempre relativos àquela comunidade, àquela criança, família e escola determinada. O problema é que a escola não pode ser toda relativa, há determinados aspectos que devem ser assegurados.
E com relação à educação infantil no campo?
 
Lançamos junto com as Universidades Federais do Rio Grande do Sul, de Campina Grande, de Minas Gerais e do Amazonas, e também a Universidade Estadual de Sinop, um estudo sobre a oferta e demanda da educação infantil no campo. É um desafio nacional. E, insisto, primeiro, de concepção. Esse modelo de educação infantil urbano não atende a todas as realidades do campo. Atende só a algumas, como as zonas rurais próximas às cidades. Temos de estabelecer o que é rural e o que é urbano. É preciso conceituar melhor o que é o campo e nessa pesquisa há um esforço para isso. Em segundo lugar, temos de construir outra possibilidade que não seja esse padrão de atendimento de cinco dias por semana, por 4 ou 7 horas, mas que também não represente uma precarização, com um programa de visita domiciliar, com um profissional não habilitado, isso não é educação infantil. É importante visitar as famílias, orientá-las, ler para as crianças, todas essas questões podem se configurar como programa, mas não são equivalentes ao dever do Estado com a Educação Básica. Agora, que modelo é esse, nós também não sabemos. O MEC está com uma enorme disposição para debater e queremos construir isso com a realidade, com essas populações, não só na mesa com especialistas. Para nós está claro: para algumas realidades das escolas do campo, ficar quatro horas na escola responde sim, mas para outras não, e vamos ter de pensar em outras possibilidades. Outros países têm diversas formas de atender, um semi-internato, uma ação conjunta com a família, uma ação itinerante com alternância...
Ainda não há uma legislação nacional sobre o transporte público de crianças pequenas e essa questão começa a preocupar os gestores.

A criança pequena ainda é muito invisível na nossa sociedade, que acha que o que é bom para o adulto é bom para a criança pequena. O mobiliário da educação infantil corresponde ao do ensino fundamental reduzido em tamanho? Não. É preciso outro mobiliário, que dê suporte, para que a criança aprenda a andar, possa se mover, que tenha também um aspecto lúdico. Em nosso país isso ainda está em concepção. Na questão do transporte a questão é ainda mais grave, pois não existe uma legislação de transporte coletivo de crianças pequenas, seja interestadual ou municipal. No âmbito do transporte escolar isso se torna um grande desafio, pois não há um adulto para cada criança, não faz sentido. O programa Caminho da Escola não abarca a educação infantil por isso, pois não vamos criar uma lei sobre transporte. E o município que faz o transporte escolar o faz no âmbito da sua autonomia, com responsabilidade dele. O MEC e o Ministério Público estão fazendo um esforço para induzir a discussão dessa legislação com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).
Outra questão importante é o quadro de recursos humanos. Obrigatoriamente na educação infantil a criança precisa ter um professor, além do cuidador?

A educação infantil entrou para o sistema educacional brasileiro e o profissional da educação é o professor. Claro que o perfil é diferente se ele leciona no ensino superior ou na Educação Básica. A criança tem o direito de ser atendida por um profissional habilitado no magistério, que é o professor. Mas existe a necessidade de outros profissionais atuarem na educação? Sim, não há dúvida. Alguns desses profissionais, como especialistas, para serem estes profissionais precisam ter sido antes professores. Entretanto, outros profissionais têm uma identidade própria, como merendeira, secretário de escola e o técnico de informática, não há dúvida de que o professor não é o único profissional da educação. Na educação infantil vem aparecendo essa figura do auxiliar, do monitor, do recreacionista, que tem origem na assistência social, onde bastava ter boa vontade, ser carinhoso. E na educação há a antiga concepção de que se é para a criança, não há a necessidade do diploma. É uma concepção atrasada, que alinhada a esses outros fatores, da dificuldade no financiamento, da inexperiência, falta de concepção para a etapa, vem alimentando a ocupação desses cargos. É o município que cria a lei desses cargos de auxiliares, que tem outra carreira, outra formação e outras funções. Aqui está o primeiro problema: deveríamos discutir nacionalmente quem é esse profissional, assim como já discutimos quem é a merendeira, quem é o funcionário da escola, qual o seu papel, qual é a formação exigida, qual a carreira dele, qual é o sindicato dele. Essa discussão não está feita. Além disso, há outro problema, muitos municípios usam esse profissional como professor. E isso é mais grave ainda. É uma questão muito complexa: existe a necessidade de outro profissional atuar na educação infantil? Vamos supor que a resposta seja sim. Se existe, quem é esse profissional? Qual é a sua função? Em nenhuma hipótese ele pode substituir o professor.
O professor da educação infantil tem direito ao piso e a um terço de hora-atividade?

Sim, tem direito à carreira docente. Ele entra por concurso de títulos, é a mesma carreira da Educação Básica. Já o auxiliar, não. Essa base nem está na base dos trabalhadores da educação, há outros sindicatos disputando-o. A impressão que tenho é que está sendo implantada uma disputa de corporações, de identidade, como se a educação infantil fosse uma disputa de leigos. Não há esse reconhecimento como há com outras etapas.
As alterações feitas na LDB em 2013 colocaram em pauta a avaliação da educação infantil. Como tem sido essa discussão com os municípios?
 
Isso ainda passa por uma disputa. Primeiro: de que avaliação estamos falando? Vamos avaliar a criança, o programa, o projeto, a política educacional? Nós da SEB somos contra a criação de um instrumento de avaliação dessa criança. E a própria LDB diz que a avaliação é de processo, não da criança. Mas que avaliação é essa? É uma satisfação que devemos dar, uma avaliação das condições de oferta. O Inep, com a Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e em parceria com uma comissão de especialistas e um grupo de entidades, montou uma matriz de referência, com as dimensões de oferta, formação profissional, gestão da escola, gestão do sistema, materialidade, infraestrutura.
Na Conae 2010 foi indicado o fim das escolas de educação infantil conveniadas, mas a reivindicação não foi adotada no PNE. Elas podem prejudicar a qualidade da educação?

A política que o MEC tem construído é de defesa, estímulo e apoio da rede pública. Nós entendemos que isso é um grande ganho para o município. O gestor está vivendo um momento histórico em que ele pode ter essa identidade, de ter fortalecido a educação infantil como política pública de gestão direta do poder público do município. Mas o município é autônomo para tomar outra decisão. Uma primeira questão é que muita coisa que se chama de conveniamento não é. Esse modelo implica o repasse de recursos e um termo assinado. Acontece de um município ceder professor e chamar isso de conveniamento, sem um documento, prestação de contas, monitoramento, controle da frequência das crianças. Precisamos exigir que o conceito de conveniamento seja executado na educação infantil e o MEC tem um documento para orientar essas parcerias: Orientações para a oferta da educação infantil por meio de conveniamento. Por outro lado, a história da educação infantil foi construída a partir dessas iniciativas. Não devemos negar essa origem. Essa rede comunitária, filantrópica, teve, historicamente, um papel muito importante e a que existe historicamente deve ser respeitada e valorizada. Nós do MEC defendemos que não deveríamos expandi-la. Belo Horizonte está fazendo um movimento como esse, com parcerias público-privadas, que me preocupam muito mais que as conveniadas.
Qual a diferença das parcerias público-privadas para as escolas conveniadas? 

São parcerias muito mais complexas, abrangentes e, eu diria, contraditórias. O convênio não muda a natureza da entidade, que continua sendo privada, mas faz um atendimento seguindo as exigências públicas. A parceria público-privada é uma transferência de exigências: o professor, o material, tudo é deles. Já com o convênio conseguimos controlar esse atendimento


A SITUAÇÃO DAS CRECHES EM NOSSO SISTEMA EDUCACIONAL

Para reverter a situação não basta garantir os recursos necessários para melhorias nos prédios e no fornecimento de materiais e equipamentos, mas também seria importante investir em orientações mais operacionalizadas a Secretarias, entidades e escolas, a respeito de especificações na aquisição e uso desses equipamentos e materiais e também relativas às novas construções e reformas realizadas nos prédios utilizados por creches e pré-escolas. A preocupação com o arranjo do espaço e com o uso de um leque mais diversificado de equipamentos e materiais precisa também fazer parte dos cursos de formação prévia e em serviço de professores e gestores da educação infantil, para que essas melhorias revertam em benefício para as crianças, em seu cotidiano nas creches e pré-escolas (CAMPOS et al, 2006).
Compondo-se com essa situação de carência de material pedagógico, de instalações inadequadas e de preparo insuficiente do pessoal, nota-se uma certa despreocupação com a programação educativa desenvolvida com as crianças. Vários estudos apontam para o descompasso entre as concepções defendidas pelos documentos oficiais de orientação curricular, o discurso das equipes de supervisão, o planejamento das unidades, quando existente, e as práticas observadas no cotidiano. Essa situação parece mais agravada nas creches, mas também é preocupante nas pré-escolas, onde continua a predominar um modelo escolarizante restrito. Algumas pesquisas constataram, além disso, a falta de familiaridade e a resistência a adoção de instrumentos de auto-avaliação institucional, muito pouco divulgados no país (CAMPOS et al, 2006).
A integração com as primeiras séries do ensino fundamental ainda é incipiente, apesar da crescente incorporação das crianças de seis anos a esta segunda etapa da escola básica. Alguns sistemas de ensino têm adotado o regime de ciclos (agrupamento de séries, com eliminação da reprovação ao longo do ciclo), sendo que existem exemplos de ciclos que incorporam o último ano da pré-escola. Neste levantamento não foram, porém, localizados estudos sobre essas experiências. Há que se considerar o fato de a lei conferir responsabilidade pela educação infantil e pelo ensino fundamental prioritariamente aos municípios o que, em tese, facilitaria essa integração (CAMPOS et al, 2006).
Por sua vez, as políticas desenvolvidas pelas diferentes instâncias governamentais nem sempre respeitam as diretrizes legais ou são coerentes com elas. Como muitos textos mostraram, ainda não foi equacionado de maneira adequada o financiamento público para a educação infantil (Barreto, 2003; Guimarães, Pinto, 2001). Além disso, em muitos estados e municípios persiste a mentalidade de que creches e pré-escolas não necessitam de profissionais qualificados e bem remunerados, de serviços eficientes de supervisão, não requerem prédios e equipamentos adaptados às necessidades infantis, não precisam de livros nem de brinquedos, e assim por diante (CAMPOS et al, 2006).
Mais ainda, persistem as concepções mais restritivas quanto à melhoria da qualidade do atendimento, reforçadas muitas vezes por agências internacionais que procuram incentivar serviços de baixo custo, desconsiderando a história vivida no país, os conhecimentos já acumulados sobre as conseqüências dessas experiências e os esforços desenvolvidos por muitos grupos e movimentos na busca de melhorias para a educação da criança pequena (Rosemberg, 2003). O quadro geral que emerge desses estudos aponta assim, para uma situação dinâmica, com importantes mudanças introduzidas na última década, mas ainda contraditória, apresentando desafios que parecem se desdobrar à medida que uma nova consciência sobre a importância da educação infantil se dissemina na sociedade (CAMPOS et al, 2006).
A partir da leitura do texto acima, escreva sua posição sobre a importância das políticas públicas no sentido de organizar adequadamente a oferta de Educação Infantil de qualidade para todas as crianças. Após indicar os pontos fundamentais para esta organização, comente a realidade de sua cidade.

A IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO

Isabel Farias começa o capítulo IV de seu trabalho Didática e Docência: Aprendendo a Profissão relatando a resistência dos professores quanto ao planejamento no formato realizado pela escola, com resquícios do modelo imposto pela ditadura militar e depois pelo tecnicismo marcado pela globalização e neoliberalismo, que desvalorizou a carreira de professor e desfavoreceu as condições de trabalho, obrigando o docente a assumir mais de um turno de trabalho, sobrecarregando-o. Este modelo trata-se de planejamentos burocráticos, que acabam sendo engavetados. Todavia, esses professores reconhecem a importância do planejamento, e afirmam efetuá-lo em sala de aula, apenas são descontentes com o modelo que é obrigado a fazer na escola. Aguiar Jr diz que o ato de ensinar requer ação sistemática, organizada e intencional, pois temos o dever de introduzir os alunos na vida cultural da sociedade, e por isso, a importância de planejar.

Planejamento é ato, é uma atividade que projeta, organiza e sistematiza o fazer docente no que diz respeito aos fins, meios, forma e conteúdo.” (Farias 2014, p 106-107) Explanados os problemas enfrentados pelo modelo de planejamento adotado na maioria das escolas atualmente e os problemas que desmotivam os professores, Isabel Farias parte para a prática do planejamento e suas etapas.

O planejamento nos permite refletir sobre nossa prática e compreendê-la melhor. "...os planos de ensino potencializam a reflexão sobre a prática docente." (Aguiar Junior 2005, p3)

É no planejamento que definimos não só os conteúdos de acordo com o calendário escolar, mas também delimitamos questões importantes, como ' o que queremos que nossos alunos venham a fazer, a conhecer? Por que este conteúdo e não aquele? quais atividades? Com qual tempo e recursos contamos?' (Farias 2014, p 107) Aguiar Jr também delimita questões importantes a se pensar no processo de construção do planejamento,
"O que farei para romper a passividade dos meus alunos em sala de aula?; quais situações irei apresentar como problema inicial a motiva o estudo do tema?; como recuperar o que os alunos já sabem a respeito do tema ou outros conhecimentos a ele relacionados?; que recursos irei utilizar para tornar a aula mais interessante e motivadora?; que situações irei utilizar para introduzir as explicações ou narrativas da disciplina acerca do tema?; como irei favorecer o trabalho dos alunos com essas idéias?" (Aguiar Jr 2005, p 1).

Outra característica importante do planejamento, defendida por Farias, é a flexibilidade, sendo este aberto para avaliações e correções. Vale ressaltar também os dizeres de Aguiar Junior, afirmando que não é possível prever as reações dos alunos diante de uma situação de ensino, podendo uma aula seguir um rumo completamente diferente do planejado, sendo que isso não descarta a importância de planejar. Por isso, vale seguir o conceito de Morin, tomando o planejamento como uma estratégia e não um programa. É importante também a mobilização de toda a comunidade escolar, construindo-o de forma coletiva. Farias defende a idéia de um planejamento participativo e contextualizado com as necessidades da escola, dos professores e dos alunos, fazendo com que os membros da comunidade escolar se sintam reconhecidos, sendo que o sentimento de segurança é condição para a realização de um bom trabalho.

Farias mostra que é vital para o ato de planejar compreender que este não é um ato neutro. Nele o professor expressa seu poder de mudar os rumos do fazer pedagógico. “Ultrapassar o discurso do reconhecimento das mútuas relações ente planejamento educacional, institucional e de ensino nos parece fundamental para a construção de uma prática que possibilite a escola e aos seus professores atuarem com autonomia no delineamento de seu trabalho.” (Farias 2014, p 112-113)

A tarefa de planejar a ação docente envolve refletir sobe o para quê, o quê, como e com quê ensinar e sobre o resultado das ações empreendidas. As respostas a esses questionamentos traduzem os elementos constituintes dos planos, a saber: objetivos, conteúdos, metodologia, recursos didáticos e sistemática de avaliação.” ( Farias 2014, p 114)

Para Farias, os objetivos diz respeito ao destino, aos resultados e propósitos da ação, expressa idéias, valores e projetos do que deve ser o aluno como sujeito na sociedade. “Os objetivos são horizonte e alicerce, fundamento e guia da nossa prática.” ( Farias 2014, p 115)

Sobre os conteúdos, Farias expõe a necessidade de se repensar a forma de seleção, organização e trabalho dos saberes escolares. Devemos interrogar qual verdade é retratada nos conteúdos e se trazem respostas as necessidades e interesses dos alunos. Aguiar Junior aponta que o conteúdo que os estudantes aprendem nem sempre são os mesmos que se ensina, e que o aprendido é o resultado do diálogo entre o que já se sabia e a nova informação, reafirmando a necessidade apresentada anteriormente por Farias.

Ainda sobre a metodologia, Farias atenta para a necessidade de romper com a concepção tecnicista de aprendizagem, pautando o fazer pedagógico como ato contínuo e coletivo. Os recursos didáticos atuam como atores coadjuvantes, suportes á ação docente.

Por fim, Farias apresenta a avaliação da aprendizagem. Indaga a utilização da avaliação apenas como meio de classificação do aluno como apto ou não apto para a próxima etapa. Para ela, a avaliação deve ser feita durante todo o processo, como forma de avaliação se o planejamento está cumprindo seus objetivos, e deve ser abrangente, tomando o indivíduo como um todo. Aguiar Junior também defende que a avaliação deve ser feita durante todas as etapas do processo de ensino, complementando que o professor deve elaborar estratégias pedagógicas adequadas para cada etapa da sequência de ensino. Farias também apresenta ainda as anotações individuais em diário, discussões em grupo e autoavaliação e conselho de classe como outras possíveis formas de avaliação, a fim de avaliar não só o conhecimento acumulado, mas também a habilidade de processá-lo, construí-lo e utilizá-lo em situações reais de seu cotidiano, além de conviver em grupo, participar de discussões e se posicionar. Isto sem desconsiderar a avaliação escrita, que também se mostram eficazes para avaliar a capacidade de ordenação de idéias, argumentação, fazer relações, análise, compor síntese, etc.
Já em seu trabalho, Aguiar Junior delimita etapas para contribuir com a estruturação das atividades, sendo elas:
  • Sensibilização/ problematização inicial: Atividade que perturbe o equilíbrio cognitivo do estudante, fazendo-o criar interesse para o assunto que vai ser apresentado.

  • Desenvolvimento da narrativa do ensino: A partir da avaliação dos conhecimentos prévios da turma, definir as abordagens adequadas para tratar o assunto segundo seus objetivos.

  • Aplicação dos novos conhecimentos: Trata-se de uma atividade onde o aluno deve utilizar o conteúdo apresentado para solucionar um problema.

  • Reflexão sobre o que foi aprendido: Planejar uma atividade que permita comparar o estágio inicial da turma com o estágio final, promovendo uma tomada de consciência.

FARIAS, Isabel Maria Sabino de (et al).Planejamento da Prática Docente. IN: Didática e Docência: Aprendendo a Profissão. Brasília. Liber Livro, 2014.

AGUIAR-JUNIOR, O. G. de. O Planejamento do Ensino. Proposta de Desenvolvimento Profissional de Educadores. PDP. IN: Módulo II. Governo do Estado de Minas Gerais, 2005.