I- ESTUDO SOBRE CULTURA NATIVA E CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA, EDUCAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
Na
cultura nativa dos índios Kadiwéu¹, estudados pela etnógrafa Lisiane Koller, as
crianças são um indicador- chave na vida social, os mais velhos procuram
agradá-las contando histórias, ensinando o idioma e falando do orgulho de
pertencer ao grupo. Essas não são chamadas para as tarefas domésticas, ficam
ocupando seu tempo em brincadeiras nas
proximidades da casa.
Os
adultos param para as ouvir – histórias, comentários ou reclamações - sorrindo
de suas brincadeiras, dispensando-as atenção, pois elas são muito importantes e
nunca são contrariadas ¨não ensinam as crianças a trabalhar [...] só
brincadeira só diversão¨ (p. 28).
Na
cultura kadiwéu as crianças demonstram curiosidade e conhecimento, detalhando
sobre várias coisas como o mundo dos vegetais e animais. Nesta aldeia Bodoquena
as crianças são tratadas com mimo, não se ver surras ou humilhações seus
comportamentos são tranquilos e a relação da família é sempre com muitas
conversas.
Há
muitos mitos envolvendo o medo de roubarem as crianças, historinhas de como as
cores dos animais surgiram, o arco-íris e o menino animal.
A diversidade de rituais é enorme e estão
associados a mudanças no corpo dos jovens, como a primeira menstruação na
menina e a mudança de voz nos meninos, rituais funerários e outros.
Para
essa cultura as crianças estabelecem relação entre vivos e mortos, humanos e
animais e tem a capacidade criativa e de encantamento. A autora aborda essa
educação como ¨fundamentalmente dinâmico (p. 41).
¨Elas
perpassam tanto o mundo visível dos parentes quanto os mundos invisíveis dos
espíritos e animais que lembremos,
compartilham uma ¨humanidade comum¨ original no pensamento ameríndio¨ VIVEIROS DE CASTRO ( 1996 citado por
LECZNIESKI p. 44).
Já
Camila Guedes Codonho apresenta um trabalho realizado com os índios Galibi-Marworno, moradores de duas
aldeias: kumarumã, as margens do rio Uaçá, Tukai, as margens da BR 156, esses
situa-se ao norte do estado do Amapá região que faz fronteira com a Guiana
Francesa.
Para
essa cultura a criança é formada na barriga da mãe da mistura do sangue desta
com a do pai, é um espírito forte e puro.
Ao chegar a hora do nascimento a parteira e
uma equipe de aprendizes chega a casa afim de cuidar dos preparativos para o
nascimento. Se o parto estiver complicado há vários rituais, chamado de potás,
onde é proferido o potá – ritual - que se relacione com o que está complicado.
Ao
nascer o cordão umbilical é cortado e espera-se que a placenta nasça também,
ela é chamada de ¨a última criança¨ e enterrada próxima a casa.
Entre
os pais são interditadas as relações sexuais, no período de até sessenta dias o
pai não poderá executar trabalhos pesados, pois segundo essa cultura e a de
muitas outras tribos isso afeta o bebê.
Sobre
o nome dos bebês, esses fazem parte de códigos, meios de significações. O bebê
recebe o nome definitivo em algumas semanas ou meses e alguns nomes são
escolhidos por alguém fora da tribo como professores, indigenistas e outros,
podem vir também de nomes de mortos, inimigos e animais. Diferente da tribo
Guarani, pesquisada por Clarissa Rocha, onde os nomes carregam características
da personalidade e de suas predisposições para rituais. "Os nomes Guarani
demonstram relações entre o parentesco com seres humanos e seres de outro
mundo" (p.121)
A
educação dos Galibi-Marwornos relata a respeito das histórias que contam sobre
as crianças que são filhos de bichos, isso para justificar comportamentos
atípicos de uma criança, doenças e mortes. ¨Conta-se que são seis bichos que
engravidam as mulheres¨ (p. 63). Cobra, jacaré e lagarto são alguns desses
bichos que depois vem buscar seus filhos e esses, se não morrem no parto podem
se tornar xamãs. Se essa criança é fraca, chora demais ou tem deformidade
física há propensão de se tornar pajé.
No
entanto, ao se falar do lugar da criança, essa educação a valoriza e protege,
pois é a alegria em casa, faz barulho, os pais não podem maltratar, se
acontecer isso deverá prestar serviço social na comunidade indígena, porém na
maioria não acontece. Os pais também podem dar um filho para ser criado com os
avós, isso é honra para eles e alegria em casa.
De
acordo com as faixas etárias das crianças, estas desenvolvem atividades
obrigatórias: crianças com 7 a 12 anos praticam atividades domésticas, as
meninas lavam as louças e os meninos ajudam a cuidar dos irmãos mais novos. A
partir dos 13 anos se tornam aptos para casarem e as responsabilidades aumentam.
Para
Camila Guedes, as crianças são produtoras de conhecimentos e responsáveis em
transmitir tradições culturais, para ela as crianças transmitem seus conhecimentos
umas ás outras ( horizontal) no cotidiano, indo além de que os saberes são
transmitidos dos mais velhos aos mais novos ( vertical).
¨os saberes transmitidos
[...] brincadeiras, obrigações diárias, cosmologias, mitologias,
etnoconhecimentos até percepções das regras matrimoniais [...] evidenciou o
protagonismo infantil e a importância das crianças na transmissão das práticas
culturais¨(p. 68).
Assim,
as crianças apresentam um papel importante para a tribo. Seu valor é bastante
notável até mesmo nos rituais de velório, onde participam ativamente levando
informações para os adultos sobre o morto. Acompanham os pais e os avós,
demonstram a percepção e o respeito as regras sociais que regem o seu grupo,
tendo em vista a capacidade que elas têm de apreender um ¨repertório comum de
conhecimentos, compartilhados pela população como um todo¨ (p. 72).
Já para os Maxakali, grupo indígena de Minas
Gerais estudados pela pesquisadora Myrian Martins, as crianças, tidas
como mediadoras, são essenciais para realização dos processos de transformação.
A partir daí, a reflexão sobre a categoria da criança e
concepção de infância, construção da pessoa, cosmologia e aprendizagem para a
sociedade Maxakali é construída.
O
resguardo do sangue leva a um ritual para a mulher que está grávida e o seus
parceiros. A não observância das regras deste implica danos somente ao próprio
infrator e até a modificação do seu destino após a morte.
Todos
os parceiros que tiveram relações sexuais com essa mulher serão considerados
participantes da construção do corpo do bebê e também pais da criança.
Há
um outro ritual chamado yãmiy –espírito dono do canto- ou o próprio ato da
fala. Ele penetra pela boca da criança no seu nascimento e quando ela morre o
yãmiy terá uma nova vida no mundo do além. Assim, o descontrole sobre o fluxo
do sangue acelera no corpo o processo para a morte do yãmiy para a doença e a
morte precocemente.
Segundo
essa cultura todo conhecimento pertence ao mundo do espírito- yãmiy- assim,
trazer os espíritos para cantar na ¨casa dos cantos¨ significa o início da vida
adulta.
Os
avós, tios, irmãos mais velhos e os pais são os que dão os seus yãmiy para seus
filhos pois não precisam mais dele, nesses rituais
os seus corpos, através das máscaras cerimoniais e
das pinturas corporais específicas, se tornam os espíritos presentes na terra,
que cantam e dançam para os humanos, atualizando assim a união entre os homens
e os espíritos (p.83).
O
conhecimento é incorporado as técnicas corporais e seus significados. Essa
transmissão de conhecimento se dá a partir das crianças, essas são instruídas
nos cantos e na performance cerimonial
por seus parentes próximos.
Tal
experiência intelectual precisa ser vivida no próprio corpo e é essa que possui
o poder de construir a pessoa e ¨torna-la um ser humano completo'(p. 84).
As
crianças são os bens valiosos trocados entre os espíritos e os humanos. São
portanto as almas das crianças mortas que trazem os cantos daqueles que
partiram. Somente os meninos que passam por esse ritual, pois só os meninos
podem ser xamãs e as idades são entre 5 e 8 anos.
É os
meninos que podem entrar na casa dos homens e dormir e comer dentro da casa
acompanhados de seus pais. Longe da casa materna. É assim até próximo ao
período de se casarem, então manterão uma roça própria e participarão da vida
política da aldeia, porém as meninas, por permanecerem no universo doméstico,
não se transformam.
É
assim o movimento dos espíritos, o fluxo da fala e do canto quando apropriado
promove a transmissão de conhecimento. O controle do fluxo do sangue produz o
corpo da criança, porém o descontrole produz o apodrecimento, ou seja, a morte.
O controle sobre o fluxo dos cantos transmite o conhecimento, porém o
descontrole conduz a doença e a morte.
Na
cultura Maxakali as crianças possuem o papel de mediadoras entre as pessoas e
os grupos para amenizar os possíveis conflitos ou hostilidades.
Entremos
então um pouco na aldeia de M’Biguaçu localizada no Km 190 da BR-101, próximo
ao município de Biguaçu, Grande Florianópolis, sua população é de 110
indivíduos no ano de 2005 segundo o FUNAI, em sua maioria identificam-se como
Guarani Chiripá, havendo a presença de pongué (mestiços). Quem nos traz
informações sobre essa tribo é a etnógrafa Melissa Santana de Oliveira.
A
autora aborda a educação dos Guarani, e começa por dizer sobre a importância do
nome da criança.
Nessa
tarefa muito difícil, é valorizada cada criança, pois, segundo Melissa, o seu
nome se relaciona ao lugar do céu que
ela veio. A pessoa deve ver a criança e ir para a casa conversar com o grande
Deus NHANDERU para saber o nome específico ou especial.
Relata sobre a liderança dos M’Biguaçu, que
está investindo no movimento de valorização da tradição e que esses movimentos
são de suma importância, os três destacados são: 1- a criação de uma escola na
aldeia em 1996 para uma educação escolar diferenciada para esses povos, escrita
e leitura Guarani e que permitisse o conhecimento não índio. 2- a formação do
coral – Nuvens Azuis- em 1998 com músicas e danças, questões místicas e
religiosas. 3- a construção de uma casa de rezas- opy- fundamental para a vida
do grupo.
A
vida das crianças pequenas é de muita liberdade, pois brincam em frente da
escola e entram quando querem, fazem desenhos e comem a merenda junto com os
irmãos maiores, na casa de rezas brincam e cantam ou tocam instrumentos quando
querem e ao sentir cansaço dormem no colo da mãe.
A
partir dos 6 ou 7 anos já começam a participar das tarefas do cotidiano da
aldeia, ajudam os adolescentes em suas tarefas, atividades de artesanato e no
preparo de alimentos, porém não deixam de brincar e já participam de rezas e no
coral com danças e cantos.
Os
rituais de passagem nos meninos é quando a voz começa ficar grave, eles são
proibidos de diversos afazeres, entre eles tomar banho no rio e falar no mato durante
um período de um ano. Ao final são abolidas as proibições.
Nas meninas o ritual é na primeira
menstruação, é reservado um lugar no canto da casa para ela e ali poderá
aprender artesanatos, cortar seus cabelos e colocar um torno de pano na cabeça
para evitar dor de cabeça.
Assim
é iniciada para a vida adulta. A partir daí os afazeres para ambos aumentam, os
meninos começam a ajudar buscar lenhas e as meninas nas tarefas doméstica e
artesanatos. Essa época a autora relata que é marcada por ¨bailões [...] e
alguns jovens passam a frequentar as escolas dos não índios¨ (p. 98).
Nos
rituais de religiosidade muitas vezes as crianças que iniciam as rezas, falam
algumas palavras e borrifam a fumaça do cachimbo. Esses são marcados por
danças, cantos, toques com os instrumentos e sessões de curas, as meninas
dançam e batem os pés no chão.
No
que diz respeito a sessão de cura, o interesse parte da própria criança guarani,
que aprende com seu pai. Após esse ritual as rezas são retomadas pelos adultos,
adolescentes e crianças. As relações com o sagrado são sempre pessoais e o
pequeno benzedor, como diz a autora, tem um enorme interesse em participar das
sessões. Ele é autônomo, é a criança que escolhe seu caminho, as rezas diárias
terminam perto das 21 horas.
O
coral – Nuvens Azuis- ¨mantêm ensaios regulares e uma agenda lotada de apresentações¨
( p.102) e os cantos, músicas e letras, são dados em rezas. Há algumas
categorias de rezas na divisão do coral, e ao apresentar eles mostram essas
categorias.
A
escola que tem na aldeia contém uma sala de aula e uma turma multisseriada, as
crianças entre 7 e 10 anos, estudam saberes indígenas como nomes e o valor
curativos das plantas, projetos de plantações, desenhos e confeccionam objetos
e saberes não indígenas em concordância com o líder Guarani, como o português, fazendo assim as relações
desses currículos com a matemática, geografia, biologia e História.
A educação Guarani é a relação entre ensino e
aprendizagem num contexto de práticas favoráveis ao desenvolvimento educativo
da criança, essas que são: ¨crianças religiosas, crianças cantoras e crianças
estudantes¨ ( p. 112).
II-
SEMELHANÇAS NA CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA E ESCOLARIZAÇÃO
A
partir do estudo dessas três autoras, se observa uma semelhança grande entre as
três concepções de infância: em todas as crianças pequenas são seres livres, que
agem segundo suas vontades. A partir do ritual de passagem, são lhes
apresentados as responsabilidades da vida adulta.
Os
Guarani de M’Biguaçu apresentam uma
aceitação de educação escolar melhor, de forma que existe uma escola em sua
tribo. Contudo, são respeitados os costumes locais, e as crianças não possuem
horário fixo para ir a escola.
O
objetivo da escola na tribo Guarani de
M’Biguaçu seria a valorização e preservação de sua cultura, sendo
ensinados a língua nativa e costumes próprios. Mesmo com esse trabalho de
valorização própriose vê oportunidades de trabalhar seus costumes com a
educação escolar no modelo ocidental, sendo permitido, através da liberação
pelo Chefe da tribo, ensinar o português e dialogar com outras disciplinas do
saber, como a geografia, biologia, história, etc.
Suzana
Cavalheiro de Jesus realizou um projeto educacional na tripo Mbyá-Guarani que
vale a pena ressaltar.
Durante
sua pesquisa etnográfica, observou-se o intereçe do Cacique em que suas
crianças pudessem ser educadas sem sair do território de seu acampamento.
Assim, uma vez por semana ela se deslocava até o acampamento e desenvolvia
atividades com as crianças entre 3 e 6 anos.
A
partir desta experiência, foi escrito o projeto Arandu: ensinar e aprender, que
visava desenvolver atividades pedagógicas com as crianças desta tribo.
Entretanto,
havia um embate entre o Cacique da Tribo
e a prefeitura local: para o Cacique, educação era importante, mas terra
vinha primeiro, e por esse motivo, não permitia as crianças de irem as escolas
até que resolvessem seu problema de localização. O acampamento da tribo se
localizava em um local insalubre, impróprio para moradia.
Com isso observa-se que os
Mbyá-Guarani não se opunham a educação, visto que permitiam a realização de
atividades pedagógicas dentro do acampamento, mas se negavam a aceitar a escola
como instituição, com suas normas e formas de funcionamento próprias.
JESUS,
Suzana Cavalheiro de. Acampamentos indígenas no Sul do Brasil: os diversos
olhares para a educação e a infância Mbyá-Guarani.
Autores
Carolina Aparecida
Carlos Renato
Geusa Nascimento
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